O espírito, além dos infortúnios

O Espírito, contrariando tudo que a Natureza nos apresenta, é dotado de uma característica peculiar: ser dotado de poderes neutralizantes, nos quais tudo parece enquadrado em suas necessidades. Por isso, Ele sofre muito em suas relações com o mundo material, do qual Ele é completamente diferente. Inserido em nosso corpo como um hóspede malquerido, não vê a hora de se libertar de tantas limitações.

DESCARTES tinha razão, quando estabeleceu um dualismo estanque entre a res cogitans e a res extensa, pois não há como contestar tamanha diferença entre eles. Daí por que o convívio entre os dois se dá de forma tão conflituosa e contrastante, derrubando uma possível harmonia pré-estabelecida entre os dois.

Meu espírito quer ultrapassar os limites do tempo e do espaço, e o faz de maneira virtual, ao se colocar no mundo abstrato de nossas ideias e memórias. O mesmo ocorre diante da presença do mal, passando a considerá-lo apenas como ausência do bem, um distúrbio acidental com resultados adversos. Igualmente, considera o acaso como o conflito de causas fortuitas, afastando assim os determinismos dos infortúnios trágicos.

Pelo nosso espírito, não há que considerar qualquer vestígio de incoerência em tudo que foi criado, obra querida de Sua Inteligência, como uma manifestação gratuita de Sua Graça. Até a morte não deixa de apresentar aspectos necessários, permitindo assim a sucessão das novas gerações. Dessa forma a morte representa apenas uma transfiguração, a nossa entrada no reino dos espíritos puros.

Em acréscimo, o Espírito convive entre nós de uma maneira virtual, na multiplicidade das formas, na série ilimitada dos números, nas percepções da vastidão do espaço sideral, na quantidade das estrelas, no sem limites de nossas esperanças, na evidência de nossa fé, na crença em um Princípio Criador. Assim, a vida passa a significar, para nós, um instante de virtualidade sensível e concreta apenas nos momentos de nossas percepções, sustentadas que são apenas pela Sua Presença. O Espírito Consolador é a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade, nos confirmando que todas nossas tragédias são apenas momentâneas e aparentes, pois, como nos revela o Evangelho, “tudo posso n’Aquele que me fortalece” (Fil, 4-13).